Espuma dos dias – Sobre o futuro do Sistema Monetário Internacional: uma verdadeira incógnita — Texto 3. O Rei Dólar não está em risco de perder a sua coroa financeira mundial. Por Megan Greene

 

Nota de editor:

Com a atual guerra na Ucrânia e, em particular, com as sanções económicas e financeiras sobre a Rússia os comentaristas e analistas têm-se debruçado sobre as eventuais consequências de tais medidas sobre o estatuto do dólar enquanto moeda de reserva mundial e de moeda preferencial nas trocas internacionais. A propósito deste tema organizámos uma série de 13 textos, “Sobre o futuro do Sistema Monetário Internacional: uma verdadeira incógnita”. Publicamos hoje o terceiro texto – “O rei dólar não está em risco de perder a sua coroa financeira mundial” de Megan Greene.

Como resulta da leitura dos textos desta série, o futuro do sistema monetário e financeiro internacional é um tema sobre o qual ninguém é capaz de dizer de seguro seja o que for. O resultado final da atual guerra na Ucrânia, que não se sabe quando terminará, nem como terminará, certamente influenciará a evolução do sistema monetário internacional e o papel do dólar no sistema, mas tão importante quanto a guerra em curso e a forma como terminará é igualmente saber qualquer será o comportamento dos beligerantes de peso, os EUA e a URSS no pós guerra. Os exemplos históricos assustam.

Neste contexto, perspetivar o futuro face ao enorme nevoeiro que se tem pela nossa frente é difícil. Disto mesmo damos conta pelos textos que publicamos onde se torna visível que o processo é influenciado por múltiplos fatores, nomeadamente decisões impossíveis de prever, o que tornam as previsões naquilo que verdadeiramente são: previsões.


Seleção e tradução de Francisco Tavares

10 m de leitura

Texto 3. O Rei Dólar não está em risco de perder a sua coroa financeira mundial

Nem o renminbi nem as criptomoedas representam uma séria ameaça à supremacia do dólar

 

 Por Megan Greene

Publicado por em 11 de Abril de 2022 (original aqui)

Republicado por em 13 de Maio de 2022 (ver aqui)

 

© FT Montagem/Getty Images

 

Tal como as andorinhas de Capistrano, os profetas da queda do domínio do dólar regressaram.

As sanções contra a Rússia pela sua guerra contra a Ucrânia são construídas em torno da negação do acesso da Rússia às moedas estrangeiras, particularmente ao dólar, que domina o comércio e o investimento mundiais. Por conseguinte, deve seguir-se que os países que pretendam evitar um destino semelhante procurarão diversificar-se para longe da moeda norte-americana. Há uma certa lógica nisso, mas a realidade é que o dólar não pode ser evitado e continuará a ser a moeda dominante no comércio e nas transacções.

Os bancos centrais têm vindo a diversificar as suas reservas e isso vai continuar. A quota do dólar nas reservas cambiais estrangeiras caiu de 71% em 2000 para 59% no terceiro trimestre de 2021.

Mas isto ainda é aproximadamente o triplo do segundo colocado, o euro. Um quarto das antigas reservas em dólares foi canalizado para o renminbi. O resto foi para economias mais pequenas como a Austrália, Canadá, Singapura, Coreia do Sul e Suécia.

À excepção da China, estas economias aderiram todas às sanções contra a Rússia.

É difícil imaginar conflitos geopolíticos futuros envolvendo uma séria divisão entre estes aliados.

Dada a dimensão das suas economias, a transferência de reservas para o dólar canadiense, o won sul-coreano ou a coroa sueca é pouco provável que ofereça uma forma de contornar as sanções financeiras.

De qualquer modo, numa emergência, todas estas moedas são, em última análise, protegidas por linhas de swap de dólares americanos.

A China não aderiu oficialmente às sanções, levando alguns a argumentar que o renminbi poderia ser uma forma de contornar a utilização da arma financeira dos EUA. Mas só porque a China não impôs sanções neste caso, não significa que não o faça noutros – basta perguntar à Lituânia.

Embora os renminbi representem menos de 3% das reservas estrangeiras globais, alguns vêem a invasão russa como uma oportunidade para aumentar este valor.

Zoltan Pozsar, especialista em sistemas financeiros do Credit Suisse, sugere que a China poderia comprar mercadorias russas baratas e utilizá-las ao lado de mercadorias chinesas para criar um sistema financeiro global que girasse em torno de um renminbi respaldado em mercadorias. Mesmo que a China quisesse fazer isto, existem grandes obstáculos.

Alguns bancos chineses restringiram o financiamento de mercadorias russas, temendo sanções secundárias. Seria difícil para a China e a Rússia fazer transacções apenas em rublos e renminbi. A moeda chinesa não é convertível fora do país. E o que faria a China com rublos?

Antes da guerra, a grande maioria das exportações russas para a China eram denominadas em dólares e euros.

Finalmente, como é que a China encontraria o dinheiro para comprar mercadorias russas em massa? Poderia vender participações do Tesouro, mas isso iria corroer o valor da dívida remanescente da China para com os EUA. Alternativamente, poderia imprimir o dinheiro, mas isto geraria inflação numa altura em que o partido comunista está a tentar estabilizar o crescimento económico.

Para além disto, a China mostra pouco interesse em desistir da microgestão da sua economia, vinculando a sua moeda a mercadorias que não pode controlar.

Há uma razão para o padrão-ouro ter falhado. Vincular uma moeda a uma mercadoria prende uma mão atrás das costas de um banco central em termos de apoiar o crescimento ou de se inclinar contra a inflação.

Ter o renminbi como moeda de reserva global exigiria também total convertibilidade e uma conta de capital aberta. À medida que a China tenta equilibrar objectivos de mais longo prazo, tais como estabilidade financeira, prosperidade comum e alterações climáticas com crescimento económico de mais curto prazo, é pouco provável que abandone o controlo sobre o sistema financeiro e a conta de capital.

Pelo contrário, a China parece ter um compromisso duradouro com o dólar, vendendo obrigações soberanas denominadas em “bilhetes verdes” durante cinco anos consecutivos. Ao fazê-lo, o governo está a criar um mercado de obrigações offshore em dólares com diferentes prazos de vencimento para facilitar às empresas chinesas a obtenção de empréstimos em dólares.

Se não existe uma moeda fiduciária, ou moeda emitida pelo governo, que possa usurpar o dólar, que tal uma moeda digital?

As moedas criptográficas como um todo valem hoje cerca de 2 mil milhões de dólares – e quem sabe quanto amanhã. Isto é pouco mais de 15% das reservas cambiais globais. As carteiras digitais são pesadas e ainda não podem ser utilizadas para comprar mercearias ou pagar impostos, quanto mais um petroleiro cheio de petróleo. As moedas estáveis, por sua vez, poderiam, na realidade, reforçar o rei dólar.

Segundo a Bloomberg, existem mais de uma dúzia de moedas estáveis, com uma importante capitalização de mercado vinculada ao dólar. O seu crescimento apenas aumenta a necessidade de dólares.

Como diz Pozsar, “os impérios caem e erguem-se. As moedas caem e sobem. As guerras têm vencedores e vencidos”.

Isso é verdade.

E, num mundo multipolar, podemos eventualmente estar a falar de alternativas ao dólar. Mas não o substituiremos.

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A autora: Megan Greene é membro sénior da Harvard Kennedy School e economista-chefe da Kroll [A Kroll Inc. é uma consultora de risco de cobertura global, com sede em Nova Iorque.].

 

 

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